A exposição “J. Cunha: Corpo tropical”
olha para os 60 anos de carreira do artista; com a mostra, Pinacoteca quer
fazer ajuste de contas com a história ao expor o universo do artista, uma das
mentes criativas por trás do bloco baiano Ilê Aiyê durante 25 anos.
A partir de 04 de maio até o dia 29 de
setembro de 2024 a Pinacoteca de São Paulo, instituição da Secretaria da
Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, apresenta uma
retrospectiva de J. Cunha, Salvador, 1948, a maior já realizada em sua
carreira.
Com cerca de 300 itens, entre
pinturas, desenhos, cartazes, estampas, objetos e documentos, “J. Cunha: Corpo
tropical” apresenta a trajetória do artista, acompanhando seus percursos pela
Bahia, onde nasceu e vive até hoje, e sua projeção nacional e internacional.
Localizada no quarto andar da Pina Estação, a mostra enfatiza o caráter
experimental, a diversidade das linguagens e o compromisso político do artista
e de sua obra.
Como ponto alto está a obra Códice,
2011-2014, um painel de três por sete metros que nunca foi exposto em São Paulo
e apenas três vezes apresentado ao público de forma completa. Trata-se de uma
pintura realizada ao longo de quatro anos, reunindo 525 símbolos por meio dos
quais Cunha cria um panteão de divindades afro-brasileiras. Essa é também a
primeira vez em que se vê um número expressivo de projetos de cenografia do
artista que, por décadas, foi um ativo colaborador do Teatro Castro Alves, em
Salvador. Na mostra, são apresentadas também algumas obras inéditas dos anos
1970, além de um expressivo conjunto de tecidos estampados para o Ilê Aiyê,
produzidos entre os anos 1980 e 2000.
J. Cunha é um artista tropicalista.
Isso o levou a experimentar diversos meios e linguagens, sempre pensando em
maneiras de tornar sua arte verdadeiramente popular. Criou dezenas de cartazes,
gravou filmes, fez vitrines de loja e capas de disco, até encontrar no carnaval
uma forma de exercitar seu espírito irreverente. Em 1980, concebeu o logo do
Ilê Aiyê, bloco afro que havia sido fundado poucos anos antes por jovens do
bairro do Curuzu, na periferia de Salvador, sob a vigilância da Yalorixá Mãe
Hilda Jitolu, importante liderança religiosa da cidade. A partir dali, o
artista criou estampas que, por 25 anos consecutivos, vestiram os
frequentadores do bloco, cuja tônica era (e segue sendo) aliar a valorização da
beleza negra à história da contribuição negra para as culturas do mundo. Cunha
também elaborou elementos decorativos para diversos carnavais e festas
populares de Salvador.
No início da carreira, ele foi
bailarino e pouco a pouco, passou a atuar também nas áreas de cenografia e
figurino das companhias com as quais colaborava. Nos anos 1970, participou da
Pré-Bienal de São Paulo, que aconteceu no Recife, e da Bienal Latinoamericana
de São Paulo, quando fez os elementos cenográficos e os figurinos da segunda
encenação do espetáculo Aos pés do caboclo, de Lia Robatto. Nesse momento, ao
ganhar o espaço público, ele faria uma manobra radical em sua carreira,
alimentando um interesse que culmina em sua entrada no Ilê Aiyê. Cunha, no
entanto, nunca deixou de pensar e de operar como pintor. Mesmo quando precisou
criar estampas que vestiriam mais de 3 mil pessoas dançando em cortejo pelas
ruas, era na cor, na linha e na composição que ele pensava. Essa inclinação
nunca se arrefeceu: até hoje, momento em que o artista dedica-se a projetos de
painéis e equipamentos monumentais, é como pintura que tudo nasce.
Próximo de completar exatos 60 anos de
carreira, J. Cunha recebe sua maior exposição individual. “Dentro das minhas
imagens e memórias ao longo do tempo, penso que estou convivendo com um grupo
de pessoas e instituições que elevam a questão da cultura brasileira presente
em meu trabalho. Para mim, trata-se de um reconhecimento do que eu produzi ao
longo destes anos”, diz o artista.
Nas palavras do curador Renato
Menezes, “a Pinacoteca adquiriu recentemente Paulicéia Diva-Irada (2021), uma
obra do artista para o acervo do museu. Sua entrada tardia em nossa coleção diz
mais sobre as lacunas de nosso acervo do que sobre sua importância. Por isso,
considero que esta exposição estimula um ajuste de contas com a história,
reconhecendo em Cunha sua energia criativa singular, candente há pelo menos 60
anos, animando uma das carreiras mais prolíficas da arte brasileira atual.”
Menezes ressalta ainda que vida e obra
de J. Cunha são indissociáveis e evoca um exemplo concreto: “Trata-se de um
raro caso de artista que foi dançarino e que idealizou figurinos para
espetáculos. Quando ele concebe um figurino para um espetáculo de dança, ele
não o faz de maneira técnica, seguindo manuais de figurinos ou costumes, mas a
partir de sua própria experiência cênica como bailarino, como alguém que
conhece as possibilidades oferecidas pelo palco. J. Cunha é um artista da
experiência empírica, do corpo a corpo.”
SOBRE A EXPOSIÇÃO
A exposição se divide em três partes,
organizadas de maneira cronológica:
Parte 1: “Made in Brasil” (na entrada
desta sala, o “s” está grafado de maneira invertida, tal como o artista fazia
em suas pinturas dos anos 1970). Neste momento vemos o início da carreira do
artista, dividido entre a pintura e a dança, preocupado em refletir sobre o
Nordeste e em criticar o avanço do capitalismo e a perda das identidades
locais. Vemos sua atuação junto ao Etsedron, grupo contracultural que se
propunha pensar um Nordeste às avessas, como o próprio nome do grupo sugere –
Etsedron é “Nordeste” ao contrário.
Parte 2: “Passar por aqui”. Neste
momento são apresentados os 25 anos seguintes de sua carreira, dos anos 1980 a
2005, período marcado pelo aprofundamento de sua atividade gráfica, tanto sobre
cartazes quanto sobre tecidos. Na parte central desta sala, foi criado um
sistema de painéis que evocam a forma de um búzio da costa, elemento muito
recorrente em sua obra. No centro do búzio, suas pinturas em formato doméstico;
fora dele, projetos de cenografia e materiais gráficos produzidos para o Ilê
Aiyê dão conta de mostrar a versatilidade de um artista que sabe muito bem
trabalhar em diferentes escalas, tanto em termos de tamanho quanto de produção.
Parte 3: “Neobarroco Afro-pop”. Nesta
última parte, é apresentada a fase mais madura do artista, desde os anos 2000
até os dias atuais. Sua pintura ganha escala, sua atenção volta-se para os
grafismos caboclos, ícones pop e símbolos do cangaço. Pinturas monumentais e
projetos de monumentos dialogam frontalmente. Nesta sala aparece também seus
interesses nas expressões do catolicismo popular e nos símbolos e ferramentas
dos Orixás, que figuram, por exemplo, no Códice, obra que encerra a exposição.
SOBRE J. CUNHA
Nascido na Península de Itapagipe, em
Salvador, em 1948, José Antônio Cunha ingressou no curso livre da Escola de
Belas Artes da Universidade Federal da Bahia aos 18 anos de idade. Foi
cenógrafo e figurinista do grupo folclórico Viva Bahia, colaborou com o Balé
Brasileiro da Bahia, Balé do Teatro Castro Alves e, durante 25 anos, assinou a
concepção visual e estética do bloco afro Ilê Aiyê, além de decorações dos
Carnavais de rua de Salvador. Artista plástico, designer gráfico, cenógrafo,
dançarino e figurinista, Cunha participou de bienais, integrou exposições
coletivas e realizou mostras individuais nos Estados Unidos, na África e na
Europa.
SOBRE A PINACOTECA DE SÃO PAULO
A Pinacoteca de São Paulo é um museu
de artes visuais com ênfase na produção brasileira do século XIX até a
contemporaneidade e em diálogo com as culturas do mundo. Museu de arte mais
antigo da cidade, fundado em 1905 pelo Governo do Estado de São Paulo, vem
realizando mostras de sua renomada coleção de arte brasileira e exposições
temporárias de artistas nacionais e internacionais em seus três edifícios: a
Pina Luz, a Pina Estação e a Pina Contemporânea. A Pinacoteca também elabora e
apresenta projetos públicos multidisciplinares, além de abrigar um programa
educativo abrangente e inclusivo.
SERVIÇO
J. Cunha: Corpo Tropical
Período: 4 de maio a 29 de setembro de
2024
Curadoria: Renato Menezes
Edifício Pina Estação
Endereço: Largo General Osório, 66,
Santa Efigênia
O edifício da Pina Estação se localiza
no Complexo Cultural Júlio Prestes, conectado com a Sala São Paulo e a São
Paulo Escola de Dança e se beneficia de fácil acesso com a linha de trens da
CPTM/Metrô Luz.
De quarta a segunda, das 10h às 18h,
entrada até 17h.
Gratuitos aos sábados - trinta reais,
inteira e quinze reais, meia-entrada, ingresso único com acesso aos três
edifícios - válido somente para o dia marcado no ingresso.